A sobrevitimização da mulher negra pelo Sistema Penal Brasileiro : uma análise a partir de estudo de caso de audiência de instrução e julgamento no crime de estupro.

Abstract

A partir do estudo de caso, esta pesquisa buscou discutir a sobrevitimização das mulheres negras vítimas de crime de estupro com base na análise do vídeo de audiência de instrução e julgamento no âmbito da Ação Penal sobre crime de estupro, com intuito de caracterizar aspectos da oitiva da vítima que lesam seus direitos fundamentais. A pesquisa buscou demonstrar como a oitiva da vítima em audiência pode gerar sobrevitimização pela violação de direitos. Ressalta-se a especificidade da mulher negra vítima de crime sexual pelo fato de que estas são as mais vitimizadas e, em decorrência da reprodução patriarcal e racista do sistema penal brasileiro, tais mulheres acabam sendo sobrevitimizadas. Para tanto, utilizou-se como marco teórico a ideia de Feminismo Afro-Latino- Americano, de Gonzalez (2011), com intuito de fixar o recorte de raça e gênero no específico contexto brasileiro, bem como o conceito de sobrevitimização, trazido por Barros (2003), traduzida na vitimização gerada a partir da atuação dos órgãos do sistema penal em desrespeito aos direitos fundamentais das vítimas. A pesquisa buscou, a partir do caso concreto, responder à seguinte questão: como ocorre a sobrevitimização das mulheres negras vítimas de crimes sexuais, durante a audiência de instrução e julgamento? Neste sentido, tratou-se dos seguintes aspectos: 1) caracterizar as vítimas de estupro no Brasil a partir do estudo da cultura do estupro; 2) ressaltar as especificidades da mulher negra no cenário histórico brasileiro; 3) apontar, no caso concreto, quais as características da oitiva da vítima que lesam seus direitos fundamentais. Com efeito, a hipótese inicial pôde ser verificada, visto que, da observação e da análise das perguntas realizadas pelos atores penais, no âmbito da oitiva da vítima em um dos casos concretos, identificou-se que a maioria dos questionamentos foram direcionados a ações da vítima, e que a forma como tais perguntas foram realizadas contribuíram para a violação dos direitos da vítima, caracterizando, portanto, o desrespeito aos seus direitos no âmbito do processo penal, bem como seus direitos fundamentais, gerando, por fim, sua sobrevitimização. Ante as violações reconhecidas no caso concreto, o trabalho conclui indicando um caminho para a gestão da prova com a introdução do conceito de entrevista cognitiva e a análise de seus preceitos, demonstrando como podem contribuir para a condução das audiências de instrução e julgamento de forma a garantir os direitos da vítima e firmar o entendimento da mesma como sujeito de direito, evitando, assim, sua sobrevitimização.